Autodeclaração étnico-racial passará por comissão de verificação em concursos públicos
Os editais dos concursos deverão especificar os métodos de verificação da veracidade da autodeclaração étnico-racial. (Foto: Flávio Dutra/Divulgação UFRGS)
Marco Weissheimer
O Diário Oficial da União publicou nesta terça-feira (2) novas regras regulamentando a Lei n° 12.990, de 2014, que reserva às pessoas negras 20% das vagas oferecidas em concursos públicos. Podem concorrer a essas vagas aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso. Segundo essas novas regras, os candidatos que se inscreverem nas vagas destinadas a cotistas deverão se apresentar a uma comissão para atestar a veracidade da autodeclaração. Para tanto, os editais dos concursos deverão especificar os métodos de verificação dessa veracidade, com a indicação de uma comissão formada por membros distribuídos por gênero, cor e naturalidade. Os critérios de verificação, segundo as mesmas regras, deverão levar em conta apenas os aspectos fenotípicos do candidato, ou seja, suas características físicas, e não a sua ascendência.
Ainda de acordo com o texto publicado no Diário Oficial, a verificação da autodeclaração deve acontecer antes da homologação do resultado final do concurso público. Caso se ateste falsidade na autodeclaração, o candidato, ou a candidata, será eliminado do concurso sem outras sanções. Os candidatos que não forem considerados pretos ou pardos pela comissão de verificação terão possibilidade de recurso. Os concursos públicos que já estão em andamento e que não tiverem previsão da comissão de verificação da autodeclaração deverão ter seus editais retificados para atender às novas regras.
Para Edilson Amaral Nabarro, diretor do Departamento dos Programas de Acesso e Permanência, da Coordenadoria de Ação Afirmativa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), as novas regras são positivas e, caso sejam estendidas ao processo de acesso às universidades, podem ajudar a enfrentar o problema das fraudes no processo de autodeclaração. “Hoje, nas universidades, as fraudes são constantes e não há um mecanismo de verificação. O que deve definir o cotista sujeito de direitos neste caso é, fundamentalmente, o fenótipo e não a ancestralidade”.
Nabarro ressalta, por outro lado, que o fenótipo não fala sozinho, assim como a autodeclaração também não. O ideal, defende, é ter uma instância de verificação onde esses elementos possam ser analisados conjuntamente. Ele cita, como exemplo a ser seguido, o modelo adotado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde foi instituída uma comissão de verificação que avalia a veracidade das autodeclarações. “Nesta comissão, tem que haver um consenso pelo pertencimento. Quando a declaração de um aluno é recusada, ele tem a possibilidade de recorrer e é feita uma nova avaliação”.
Em 2014, assinala ainda Nabarro, 500 alunos se autodeclararam negros ou pardos na UFSM. Destas declarações, 350 foram aceitas pela comissão de verificação e 150 recusadas. Após os recursos, pouco mais da metade dessas 150 foram admitidas. Os outros casos foram parar na Justiça e a universidade ganhou todos, já havendo, portanto, uma jurisprudência sobre o tema. “A existência de uma comissão de verificação cria uma sinalização de que, quem fraudar a declaração, não terá vaga. Hoje, não existe essa sinalização e as fraudes acontecem, especialmente em cursos de alta competitividade para o ingresso, como Direito, Medicina e Psicologia”, diz o diretor do Departamento dos Programas de Acesso e Permanência da UFRGS.
“Todo o problema está no pardo branco”
Regulamentada pelo decreto nº 7824/2012, a Lei de Cotas propõe a seguinte distribuição no acesso à universidade pública: 50% das vagas para candidatos com renda familiar mensal de até 1,5 salário-mínimo por pessoa, e a outra metade para renda acima desse valor. Dentro de cada faixa de renda, há vagas para pretos, pardos e indígenas na mesma proporção do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na região. Os quesitos cor e raça são autodeclaratórios. A própria pessoa escolhe entre as opções branco, preto, pardo, amarelo ou índio em qual ela se enquadra.
O diretor executivo da organização não governamental Educafro, Frei David Santos, disse à Agência Brasil que, entre os pretos, não há problema para definir cotas. O problema, segundo ele, está na hora de definir entre os três grupos de pardos: o pardo-preto, o pardo-pardo e o pardo-branco. “Todo o problema está no pardo-branco, porque ele tem poucos traços fenotípicos do povo negro e usa a genotipia (genética/ascendência) para usurpar um beneficio que não lhe pertence”. Para Frei David, os dois últimos grupos (pardo-pardo e pardo-branco) não são alvo dos processos de exclusão. “Quando a polícia faz uma revista em pessoas que passam na rua ou entra em um ônibus, ela vai diretamente em quem julga negro: preto ou pardo-preto. Nunca vai em um pardo-pardo ou pardo-branco”, defendeu.
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